segunda-feira, 10 de novembro de 2008

FEELINGS...

Sentada ao piano, Nina Simone, a deusa de ébano de voz levemente rouca, já se sentia indignada ao se ver como mais uma vítima de sentimentos que insistem em nos arrebatar subitamente e sem qualquer tipo de alvará. "I wish I´d never lived this love...hope this feeling never comes again..."
Como entender as condições que originam tantas canções de amor?
Assistindo ao trailer do novo filme de Guel Arraes, "Romance", mais uma vez me vi tentando entender algo que inúmeros antes de mim haviam tentado. Pude imaginar Shakespeare sem saída, sem ter como prever e narrar a continuação do romance de Romeu e Julieta, pensando em uma morte trágica e simbólica para esse sentimento tão misterioso e imprevisível. Já li em algum lugar que o romance teria acabado nas primeiras dificuldades, como a falta de dinheiro e os filhos a chorar no quarto ao lado. Eu prefiro acreditar que o obstáculo se encontra em nossas atitudes.
A personagem de Wagner Moura em "Romance" diz para sua mulher, a qual está tendo um caso, que ela está apaixonada por uma pessoa que não existe, uma invenção. Ela rebate dizendo: " A pessoa por quem a gente se apaixona, é sempre uma invenção..." Não posso deixar de me lembrar da sensação incontrolável de perda que senti, de alguém que nunca tive e que criei só pra mim. Era como sentir fisgar, um orgão recentemente amputado. Como essa dor podia existir se ele mesmo não existia mais?
Nós meninas, crescemos ouvindo estórias sobre o príncipe, que em um cavalo branco, chega para nos resgatar de nossa vida tediosa e rotineira. Ninguém nos contou sobre o castelo que teríamos que administrar e sobre o mundo de afazeres domésticos e obrigações maternas do reino encantado. Ninguém nos disse que a princesa biscatinha do reino ao lado poderia jogar suas tranças pra cima de nosso heróico cavaleiro. Muito menos nos contou, que poderíamos dormir com um príncipe disposto a tudo para nos beijar, e acordar com o capeta, rei da indiferença e da soberba, ao nosso lado. O capeta mesmo, por que o sapo pelo menos deixava claro desde o princípio suas verdadeiras intenções: " Me beija aí que eu te recompenso...". Não nos foi dito que não existe "e viveram felizes pra sempre..." e que para sempre é muito tempo. Não crescemos acreditando que a felicidade é efêmera e que pode ser sentida em coisas bobas e simples. Demoramos muito para perceber que a falta de dinheiro e a criança chorando no quarto ao lado fazem parte do pacote "Reino Encantado" e que nem por isso ele deixa de ser mágico e misterioso. Somos tão doutrinadas e resignadas que preferimos acreditar que nosso príncipe caiu e está em coma ou então que nosso cupido tem Mal de Parkinson. Fantasiamos até o fim. E nesse conto de fada sem final feliz, a única bruxa malvada querendo nos envenanar com uma maçã, é nossa imaginação.

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